Ponta Delgada não fica na ponta da ilha mas pode dizer-se que é delgada e portanto elegante e charmosa. Cidade pequena e singela, onde os pormenores estão em todos os seus recantos. Deambulo sem pressas e sem expectativas, ao ritmo e ao jeito açoriano, porque só assim as surpresas surgem e tudo acontece.
Sobre a neblina matinal. A neblina sai do mar brindando com sol a manhã de sábado. Pé na calçada da cidade para as compras no mercado da Graça. Percorro lentamente com a Dona Fátima as peixarias para conhecer todos os peixes do mar. Sigo depois pelas frutarias para comprar a pimenta da terra que servem com os queijos frescos, para provar o real sabor do ananás, para exclamar com o tamanho das melancias e para no final me perder no Rei dos Queijos. Nesta loja, os olhos percorrem as compotas, as conservas, os biscoitos e o queijo que se perfilam nas prateleiras e nas vitrines. Começo a prova de queijos e saio de lá com uma saca cheia de queijos para a família.
Mais adiante sigo a arte de rua de alguns dos principais artistas de rua portugueses e dali encontro o miradouro Mãe de Deus. A vista da cidade entre a montanha e o mar. A cidade conserva a sua antiguidade, as cores azuis nas casas, as fachadas clássicas e a típica calçada portuguesa. E simultaneamente entre o traço antigo encontra-se os vestígios das artes que o festival Walk & Talk deixou pela cidade. Há um circuito de artes visuais com mais de 80 obras na ilha de São Miguel. Passeio sempre na expectativa de encontrar mais um desenho em qualquer edifício da cidade.
São Três quartos para a hora do almoço. Paro no Tês Quartos, um tasco transformado num restaurante-bar alternativo, com hamburguers e outros petiscos gourmet. Esta nova onda contagia qualquer cidade portuguesa e Ponta Delgada não é diferente. Um hambúrguer Bob acompanhado de Kima de maracujá. No final hesitante mas curiosa seguiu-se o bolo O Segredo.
Sobre o mar da tarde. Depois do almoço sigo até às Portas do Mar. Ali percorro a grande avenida junto ao mar, onde também os turistas passeiam e descansam nas esplanadas. Existem várias empresas que realizam passeios para avistar os cetáceos. Os Açores são um dos maiores santuários de baleias do mundo. Com espécies residentes e migratórias, é no verão que é mais propício e com maior probabilidade de avistar baleias. E a experiência é com certeza extraordinária. Há programas de um dia completo ou meio-dia (3 horas) a preços semelhantes nas diferentes operadoras.
Terra firme ao final da tarde. Ainda a baloiçar entro nas Portas da Cidade. Reza a lenda, que quem passar nas portas regressará a São Miguel. As portas são três arcos de volta perfeita em pedra balsáltica. Ao lado das Portas encontra-se edificada a Igreja Matriz de São Sebastião. Esta sobreviveu aos bombardeamentos durante a 2ª Guerra Munidal por parte dos nazis. Os Açores pela sua localização estratégica no oceano atlântico foram sempre alvo desejado pelos Estados Unidos da América e daí que a sua presença por estas terras não tenha sido bem aceite pelos alemães durante esse período da história europeia. A viagem serve sempre para reavivar também a história.
Ainda em jeito de passeio sigo até ao Campo de São Francisco onde se encontra o Convento da Nossa Senhora da Esperança, “residência” da mais emblemática figura religiosa dos Açores, Senhor Santo Cristo dos Milagres. Entro e admiro a devoção, uma mulher ajoelhada frente ao Santo Cristo com ar de súplica e de lágrimas nos olhos. A imagem do Santo Cristo entalhado em madeira com a cruz sobre ombros e o rosto ensanguentado da coroa de espinhos cravada na cabeça só me faz sentir dor e sofrimento.
A calçada portuguesa sai da crença e mergulha nas principais ruas de comércio. Por ali passo por alguns dos pontos turísticos: a Igreja do Colégio dos Jesuítas, a Praça 5 de Outubro, a Igreja de São Sebastião, a Travessa do Arco, a Rua dos Mercadores (com tasquinhas tradicionais), a Avenida Infante D. Henrique, na orla marítima, o Teatro Micaelense e o Jardim António Borges. Na rua António José de Almeida encontro de repente uma mercearia do mundo, o Louvre Michaelense. Um espaço comercial de 1904 onde se vendia chapéus de Paris. Hoje encontra-se chá, café e cereais a granel. Ainda com as prateleiras e as mesas à moda antiga pode comprar artesanato moderno e sentar para dois dedos de conversa enquanto admira a passagem do povo na rua pedonal.
Noite faminta. A noite desce à boca do estômago. Ainda pelas principais ruas pedonais de Ponta Delgada há um local para petiscos típicos da ilha. A Tasca é um espaço rústico ideal para os amigos se juntarem antes de seguir pelos bares e cafés mais típicos no centro da cidade.
A noite começa cedo mas acaba sempre tarde. Os açorianos, são gente de aproveitar um bom convívio e uma boa festa. Portanto, deixo-me levar com eles até o corpo pedir descanso. Ponta Delgada elegante e charmosa até ao sol raiar.
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