Brasileiro é uma pessoa alegre, com sentido de humor, que oferece o que tem e o que não tem! Abre a porta de casa para o estranho ou para vagabundo. Não tem receio porque o medo está sentado todos os dias na calçada. Vive e pronto! A vida é feita para viver, não pensa muito, vive! Se não está bem com a vida que leva, muda e pronto! Tudo começa de novo.
Chegava a São Paulo disponível para todos os imprevistos! Sambar na praça, encontrar o pub mais escuro, vaguear na avenida paulista, comer pastel de queijo e beber caipirinha. Não foi nada disto que aconteceu, Marcel levou-me a conhecer a arte urbana na Vila Madalena.
O brasileiro pensa que o português é tacanho e tradicionalista. Na verdade, não o vou desmentir, tem um q.b. de razão! E só entende isto, quem pisa o solo brasileiro. O português pensa com medo e vive num país seguro! O brasileiro vive no medo, fala do perigo de forma leviana e não tem medo de viver a vida. O português vive preso às suas tradições, queixa-se sem razão e sente saudades do que tem. O brasileiro quer andar na moda, na corda bamba, ama com intensidade, sorri nem que a vida seja péssima e sente saudades do colo da mãe. Não tem vergonha do que é, não esconde o amor! Vive com todos os defeitos!
São Paulo é o reflexo do brasileiro. Uma cidade de milhões que vive com medo mas leva a vida com leveza. Inventa, estuda, revoluciona, corre, escorrega e ama. É uma cidade feia, de arranha-céus e simultaneamente adora-se! Odeia o seu tamanho monstruoso, reclama da política, repudia a sua criminalidade e continua a amar-se perdidamente!
O Brasil, São Paulo e o brasileiro são uma antítese extraordinária! O que tem o Brasil? Tem tudo! O pior e o melhor do mundo!
Voltando a São Paulo! Aterrava em Sampa disponível para andar na corda bamba, ao sabor das dicas do Marcel! Era um dia solarengo e Marcel levava-me por uma incursão pelo beco do Batman,no bairro boémio da vila Madalena. Começamos pelo beco de cores, onde ele próprio reconhecia as assinaturas dos amigos. Os moleques que grafitavam por brincadeira, que são hoje artistas de renome. A street arte tem vindo a revolucionar o mundo.
A desprestigiante e delinquente arte, é a arte alternativa e cool do momento. Em São Paulo, as primeiras obras surgiram pelas mãos de Alex Vallauri, com sinais de uma manifestação política. Um dos seus primeiros desenhos foi o “Boca com Alfinete” (1973), uma referência à censura. Ele encheu os muros da capital de araras e frangos que pediam Diretas Já, este era o slogan do movimento por eleições diretas no final da ditadura. Vallauri influenciou outros artistas a ocuparem as ruas da capital paulista e a data de sua morte, 27 de março de 1987, é lembrada como o Dia do Grafite no Brasil.
A discussão sobre o grafite como arte ou vandalismo tem sido uma luta de vários anos. Desde a década de oitenta que os paulistanos discutem de forma empolgante. O mais curioso neste assunto, é que a discussão ainda se mantém aberta com avanços e recuos. Por exemplo, até 2011, o grafite em edifícios públicos era considerado crime ambiental e vandalismo em São Paulo. A partir daquele ano, apenas a pichação continuou sendo crime. O que é a pichação? Ora bem, de uma forma geral, a pichação é considerada desenhos que podem ser frases de protesto ou insulto, assinaturas pessoais ou de gangues. É considerada uma intervenção agressiva e que degrada a paisagem da cidade. O grafite, por sua vez, é considerado arte urbana.
O grafite em São Paulo surgiu como uma catarse, um grito de jovens artistas de uma geração esmagada pela brutalidade insana e truculenta da ditadura. Artistas que não seguiam as linhas da normalidade e que tinham dificuldade em encaixar na sociedade artística. Eles precisavam do seu espaço. O seu espaço era a rua!
Passeando pelas ruas do bairro, era extraordinário como Marcel reconhecia a identidade dos artistas, como relembrava a sua juventude e como valorizava o trabalho artístico de cada artista. Por vezes, nem precisava olhar a assinatura para reconhecer o seu amigo e daí surgia alguma história!
Kobra, é provavelmente um dos artistas brasileiros mais famosos, com a sua arte espalhada por vários cantos do mundo. Mas há outros, muitos mais! Reconhecidos pelo meio artístico e que conseguem viver da sua arte. Depois de um passeio pelas galerias de Vila Madalena, de beber um chôpe, de fotografar a vida e a arte urbana, era tempo para mudar de rumo!
O Marcel desafiava-me a uma escapadela de fim-de-semana! Como os imprevistos dão origem aos melhores momentos da viagem, não poderia rejeitar a proposta de Marcel para viajar até à Ilha Bela. E assim, deixava a cidade das antíteses em três tempos.
Sem Comentários