Havana tem rostos cheios de expressões, gente com história e que contam histórias. As histórias começam dentro daquelas quatro inertes paredes que compõem a casa. A história começa pela manhã na casa do senhor Manzano, em plena rua O’Riley.
Havana, cidade velha, rua O’Riley, casa do senhor Manzano. Começava o dia a olhar a quietude do senhor Manzano. Sentado naquela varanda onde a luz entrava quebrada e refletia na ponta dos seus óculos enquanto lia as notícias do dia. De calções e t-shirt justa sem cavas sentava-se com um olho no jornal e outro na rua. Um relógio de pulso antigo que ainda se ajeitava com o tempo. O relógio marcava 9 horas. O seu neto entrava pela sala, mas com um tempo diferente. Tinha o corpo tatuado e segurava o cabelo com um elástico mostrando a cabeça a pente 3. Tinha pressa para tudo e a sua voz era agressiva. Quando aquele corpo negro vestido de negro da cabeça aos pés entrava pela sala, a quietude branca do senhor manzano mantinha-se inerte.
Com o senhor manzano ouvia a versão bela da vida cubana. Aos 77 anos, com um diploma de economista que exibia no corredor da casa, conhecia o mundo como nenhum cubano. Econosmista de profissão, com uma vasta experiência nas relações económicas externas governamentais e antigo embaixador na coreia do norte. Aos 77 anos, afirmava firme, que não há existe um país tão belo como Cuba. Em Cuba, não tinha receio de sair à rua porque havia segurança. Nunca tinha visto gente a dormir e com fome a apodrecer nas ruas da sua cidade. No seu país não morria ninguém à fome. No seu país a música são os alicerces da felicidade e isso não tinha visto em mais lugar nenhum do mundo. Tinha um país educado, com ciências procuradas por todos os países do mundo. Tinha um país socialista, não comunista, dizia ele. Um país de cubanos para cubanos. Nas suas palavras, Cuba parecia um paraíso levado a cabo por revolucionários. Che e Fidel são ainda uma memória viva destes cubanos.
Aos 77 anos tinha uma vida simples no centro de Havana. Levantava-se pela manhã para preparar o seu pequeno-almoço e passar a manhã na pequena varanda a ler o jornal. Mantinha uma mente brilhante, um corpo jovial. Nas noites quentes, por vezes, a sua namorada de 56 anos juntava-se para jantar e beber uns tragos de run Havana Club 16 anos à volta da mesa. Sentava-me com eles a beber un trago de run. Perguntava-lhes pelos pedintes na rua, mães a pedir leite para as suas crianças. Justificavam-me, que era gente que não gostava de trabalhar, que o governo dava leite a todas as crianças e pedia-me para não lhes dar dinheiro nem leite, era tudo um esquema. Já não lhes perguntaria pela prostituição, que a resposta seria obviamente a mesma. A vida é ganha com trabalho limpo e há trabalho! Perguntava-lhes por Che e os seus olhos flamejavam, era um orgulho nacional. Che teria sido o principal defensor de uma educação gratuita e equilitária para todos os cidadãos e isso ainda se mantém nos dias de hoje. Passaria ali horas a beber tragos de run com aquelas almas cheias de histórias, com olhares e vozes fortes e quentes. Mas o senhor manzano chutava-me para a rua. Indicava-me onde encontrar salsa e seguia sem receio.
Dancei salsa na sociedade canária, onde cubanos de todas as idades se juntavam para dançar. Entrava sózinha mas os cubanos em poucos segundos chamavam-me a sentar à mesa, chamavam-me para um pé de dança, chamavam-me para beber un run. Em poucos segundos, o calor amigo dos verdadeiros cubanos mostravam a Havana que queria conhecer. Quente, alegre, sem preconceitos, sem vergonha. Bebiam para alegrar a alma, dançavam para afastar desgraças, envolviam com calor qualquer estranho que entrasse na sala. Até à última música!
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