Diários - Perú, Perú

Arequipa, a cidade branca

Janeiro 24, 2017

A luz branca era tão incandescente que todo o ruído da cidade se abafa em segundos. Resguardada num círculo como se tratasse de uma muralha. As ruas circundavam os edifícios de sisal. E assim começava a estória. Era uma vez um cidade chamada Arequipa.
Arequipa era a cidade branca do Perú. A 2300 metros de altitude e nascida e crescida num vale de montanhas desérticas da cordilheira andina. Todo o centro histórico tratava-se de um aglomerado de casas, palacetes, igrejas e museus edificados com a pedra sisal. Uma pedra branca originária das lavas do vulcão Misti, com 5822 metros de altitude, situado a sudoeste. Na alçada do olhar do povo nunca suscitava medo. Aliás, a vista sobre o vulcão tinha algo de místico. E onde seria a melhor vista? Naquele dia solarengo, em plena praça de armas, onde turistas e peruanos se juntam para passar o tempo e ver a vida a passar, seguia os passos de um grupo de turistas. Numa escada afunilada com entrada para um restaurante ainda fechado, chegaria a um telhado sem telhas. Aquela seria a mais bela vista sobre o vulcão Misti. Naquele momento poderia o vulcão entrar em erupção. Aguardava ansiosamente. Esperava o auge da exclamação naquele instante. O momento não chegaria e a estória não tinha pernas para continuar. Ali, com o olhar sobre a cidade, via a vida a passar. Via a luz branca espelhada nas casas e o seu reflexo no olhar dos Homens. Via a inércia da catedral perante os gritos fortes do exército a treinar a marcha. A esfera de toda a cidade estava sobre o meu olhar. E o exercício de olhar de fora é tão forte como olhar adentro.

Catedral de Arequipa e o vulcão Mistí

E sobre a vista sublime o sol descia. E sobre o telhado despido o sol entrava pela escada. E submergindo na cidade a estória reiniciava. Era a dois passos e meio que o cheiro do chocolate convidava a entrar. Vindo dos confins da Amazónia mantinha os paladares autênticos e misteriosos da terra húmida, do verde chilrear dos pássaros e as correntes do rio. Um chocolate encorpado. E que ali, pela mãos de Javier transformava-se numa peça de arte gustativa. Numa antiga casa colonial espanhola, de cor amarela torrada, uma escada com corrimões de ferro e as portas em cúpulas redondas. Num ambiente relaxado e cosmopolita, Javier e Carrie criavam uma empatia simples com amigos e clientes. Javier voltava a Arequipa com Carrie. Depois de vários anos na Austrália renascia na sua terra natal. Sonhos, um a um, concretizados a um ritmo peruano, lento. Primeiro, o chocolate orgânico proveniente da Amazónia. Segundo, a pizzaria cozinhada num forno a lenha. Terceiro, a cerveja artesanal que tem sido um negócio prosperante em todo o mundo. Pequenos passos, sonhos grandes. Interrompidos pela música da rua aproximava-se a procissão em dia de todos os santos. Uma multidão caminhava a passo lento com andores aos ombros e incensos pelo ar. A noite já andava pela rua e os santos caminhavam com ela. Crianças, adultos e idosos traziam velas acessas. O fogo de artifício anunciava a entrada dos santos na igreja. A três passos dali, a festa era roxa e o legado espanhol mantinha a par das tradições andinas.

Pelas ruas brancas de Arequipa

Numa cidade branca pintada com cores espanholas as estórias multiplicavam-se e bastava-me seguir a procissão para a estória se escrever. Era uma vez uma cidade chamada Arequipa. A noite adormecia a estória e o final escreveria-se no dia seguinte.

 

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