Apesar dos muitos avisos agarrei em todas as precauções e cheia de coragem decidi viajar na Guatemala nos famosos “chicken buses”. Não foram uma nem duas vezes, foram três.
Era de manhã e a paragem de autocarro não tinha muita gente, tudo me diria que a viagem seria serena e agradável. Na paragem uma jovem guatemalteca esboça um sorriso tímido, digo-lhe de onde vou e explica-me o caminho.
Passado poucos minutos, um grande autocarro americano de todas as cores e com ar imponente desce a rua com um jovem pendurado na porta. Os famosos “chicken buses” são autocarros escolares americanos reformados que passam os seus últimos dias na América Central. Deixam de ser autocarros escolares para ser autocarros do povo e daí o seu nome original, tudo se transporta ali, até as galinhas. Eles chegam à Guatemala tal como os conhecemos nos filmes, amarelos com listas pretas, depois aqui ajusta-se a mecânica e levam uma pintura bem à moda da cultura guatemalteca. Várias cores, vários desenhos, várias frases bem alusivas a Deus. Da América só lhes restam as notas informativas e marca do autocarro. Esta forma de reciclagem é antiga em toda a Guatemala e às vezes têm contornos duvidosos.
O autocarro pára assinalando em voz alta o destino. A minha pele, as minhas feições, o meu sotaque espanhol não me deixa passar despercebida. Não sou definitivamente guatemalteca mas gosto de misturar-me com eles. De viver com eles. E o meu espanhol intermédio deixa-me vivenciar esta cultura de uma forma mais próxima. Entro no autocarro e não tenho dúvidas que Deus está comigo. Está escrito a vermelho bem vivo e os santos estão pendurados nos vidros. Os corredores estão cheios de gente, em cada fila de quatro há espaço para mais um. Todos bem juntinhos. Alguns com crianças de colo. No corredor não sei bem como, as pessoas sentam-se confortavelmente como se tratasse de mais um lugar. Todos cabem. Juntos, quentinhos e com o vento a entrar pelas janelas.
A aventura começa quando o condutor mete a primeira. Um grande canhão de caixa de velocidades anuncia a envergadura do autocarro. A Guatemala é circundada de montanhas, de curvas e contra-curvas e de subidas íngremes com vulcões nos horizontes. A velocidade não é excessiva porque há lombas e curvas. E isto basta para que a viagem seja feita aos saltinhos agitando tudo o que vem cá dentro.
O jovem que ajuda o condutor vai sempre de pé na porta de entrada acrescentando água ao longo da viagem e a colectar os queztals aos passageiros. Ele passa por onde não há espaço em todo o autocarro. Ele gere os lugares sentados, assinalando em lugares impossíveis mais um assento. Chegamos aos Los Encontros. Ao final de uma hora, olha-me e sem dúvidas da minha cara estrangeira me chama e assinala-me onde irei apanhar o próximo autocarro. Sabe quem sou e para onde vou.
Nos Los Encontros a avenida é larga e dali há uma via rápida que leva os passageiros a vários pontos do país. Como o nome indica estamos no encontro e é ali que encontro sempre mais uma companhia de viagem. O meu ar de estrangeiro aproxima sempre alguém que me pergunta de onde sou e para onde vou. Um dia foi a Sílvia, a jovem médica de Xela que me acompanhou até ao meu destino. Um outro dia foi o jovem casal polaco que seguia para o mercado de Chichicastenango. Há sempre alguém. Entro em mais um autocarro colorido imponente e cheio de gente. Sento-me numa fila com mais de 6 pessoas, metade crianças, onde me ofereciam um lugar especial. As crianças olham-me sempre com ar de estranheza e de poucos sorrisos. Não deixam de olhar repetidamente. Esboço um sorriso, um piscar de olhos, um afecto nos cabelos e depois uma fotos que lhes vou mostrando. O muro fica desfeito e dali a brincadeira começa. Gargalhadas, sorrisos largos e músicas alegres.
A viagem nesta via rápida é acelerada, as curvas são largas e os vários autocarros fazem corridas entre eles onde todos se agarram aos barões dos bancos da frente. Penso: “Ainda bem que somos muitos e vamos todos juntinhos” O condutor é um jovem, usa umas luvas de couro e agita-se no banco com a adrenalina nos olhos olhando o condutor do autocarro que lhe segue ao lado. Para eles é uma excitação para mim é uma insegurança. Olho as frases alusivas a Deus. Vou falando com o meu companheiro de viagem. E tudo o resto é paisagem.
Adiante, vários polícias, mais de 20, fazem operações stop para verificarem os documentos dos condutores. Nunca a velocidade, essa não têm forma de verificar e parece-me que também não se importam. O condutor agressivo segue depois com a mesma excitação e a mesma velocidade.
Chego ao destino. O jovem levanta a voz, aponta-me o dedo e dali saio de mais uma viagem. Poucas foram as viagens com este stress, a maioria das viagens foram terrivelmente simpáticas e alegres. O regresso de Antígua com Mihnea foi semelhante à de ida de shuthle para Antígua (excepto o preço). E além do mais, tive o prazer de ouvir a sua fantástica história de vida. O regresso de Chichicastenango fez-me conhecer o José e a sua filha que viviam em Xela. A criança espevitada fazia alegrar qualquer viagem. A viagem para Xela fez-me conhecer Sílvia, que me apresentou a sua família e dias mais tarde reencontramo-nos em Panajachel.
As viagens de “chicken buses” são famosas pelo melhor e pelo pior da Guatemala. Assustadoras mas também terrivelmente alegres. No final, são provavelmente umas melhores formas de estar entre o povo.
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