O mundo não é nada mais, nada menos que um cerco de fronteiras. A viagem dava-me novos significados para fronteiras. Um mundo unificado: um país único, uma cultura singular, uma união patriótica. Fronteira como unificação de um país e de uma cultura. Um mundo dividido: países fechados sobre si mesmos, um egocentrismo desmedido, intolerância. Fronteira como divisão entre povos, intolerância à multiculturalidade.
As fronteiras são linhas imaginárias que unem um país e que o divide de outros países. No meu país e na minha Europa. E não são nada mais que imaginárias! A liberdade de viajar na europa é um bem precioso inconsciente. Viajamos entre culturas livremente. Atravessamos essas linhas sem paragens, tranquilos, observando a paisagem a modificar-se lentamente. As fronteiras entram apenas no nosso vocabulário quando atravessamos continentes.
A partir do momento que atravessava o oceano atlântico tudo mudava. Tinha consciência disso mas na verdade não sabia o que me poderia esperar. Apesar de ter um cadastro limpo e uma postura sempre simples e amigável. Tudo começa nos Estados Unidos da América, onde apenas passaria 5 horas na sala de espera para um vôo de ligação. Um questionário online enorme, com perguntas criminosas mirabolantes, para além da recepção hóstil e desconfiada por parte dos agentes alfandegários.
Estes momentos não me assustavam. Mas ao final de alguns meses na América Central e de atravessar alguns países as fronteiras saíam do meu imaginário e transformavam-se em lugares, situações e emoções.
As fronteiras são lugares com edifícios velhos e cinzentos, onde se sente tensão e receio. Têm guardas, polícias, homens de câmbio, taxistas, restaurantes estranhos, comida de rua e há muito mais que nos foge à vista nesta passagem fugaz.
Atravessava a fronteira para a Guatemala pela segunda vez e pela segunda vez sentia tensão. Na América Central há uma imigração perigosa e conflituosa. A maioria dos imigrantes têm origem na Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala. E têm o sonho americano no seu imaginário. Aqui na fronteira do Belize há um fluxo de imigrantes em ambos os sentidos. Guatemaltecos que seguem para o Belize para profissões de baixo rendimento e os Belizianos que imigram para a Guatemala principalmente para áreas turísticas, pela vantagem de serem um país de língua inglesa. Atravessava a fronteira com o último acontecimento grave suspenso no ar. Uma criança guatemalteca teria sido alvejada na fronteira na companhia de seu pai no mês anterior. A Guatemala vivia momentos de revolta e portanto qualquer situação poderia desencadear um conflito entre países. Não havia tolerância para erros. Os polícias guatemaltecos revistavam todos os carros que passavam na estrada que seguia para Flores.
Na outra fronteira da Guatemala, que ligava a Guatemala ao México, a tensão era ainda mais delicada. Aquela fronteira é uma luz no túnel chamado Estados Unidos da América. Muitos imigrantes atravessavam o México num comboio de mercadorias. Nos milhares de quilómetros, nas centenas de dias ou talvez meses ou anos, embarcam numa viagem de risco. Entre a vida e a morte. Pelo caminho há campos de refugiados, traficantes de humanos para redes de prostituição, drogas e outras com destino desconhecido, polícia e um comércio obscuro de transporte. Todos os imigrantes vivem diariamente na linha da morte. Por um sonho. Um sonho desconhecido. Talvez uma decepção. Um pesadelo. Quem coloca a vida neste caminho viu morta a esperança no seu país. Dentro das suas fronteiras, a vida não fazia mais sentido, não tinha futuro ou tomava o nome de morte. Qualquer razão pode justificar uma saída mas nenhuma razão justifica a violência que se vive.
Um mundo cercado de fronteiras. Linhas físicas que dão razão à violência sobre outros povos. Um mundo de humanos cada vez menos humanos.
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