Sete Cidades seria uma ilha lendária que durante séculos inspirou a exploração marítima. Os marinheiros imaginavam um reino antigo e místico perdido no grande oceano atlântico. Mas por ali, a lenda é outra, contam os açorianos que a origem das lagoas da caldeira do vulcão das Sete Cidades teve origem nas lágrimas da princesa e do pastor apaixonados. Um amor impossível que derramou tantas lágrimas que estas deram origem a duas lagoas, uma verde dos olhos da princesa e uma azul dos olhos do pastor. No arquipélago as histórias multiplicam-se, as Sete Cidades é o local magnífico para dar asas ao imaginário. E assim começa a minha aventura no reino da Atlântida perdida, no local onde as lendas nascem a um ritmo alucinante.
Naquela manhã, o sol fez-se à estrada em direcção à vista do rei. O rei não estaria por lá, nem qualquer turista para admirar a mais bela vista sobre as Sete Cidades. Da vista real vislumbra-se as lagoas verde e azul separadas por uma ponte, uma pequena população que vive nas imediações das lagoas e um extenso verde envolvente. O verde pela manhã chama-se verde-água, um reflexo de luz verde que transmite aos olhos uma sensação arrepiante. A curiosidade faz-me sempre continuar. Subi às ruínas do velho hotel Monte Palace que nunca foi novo e que sempre viveu um sombrio e tenebroso destino. As fotografias prometiam ser ainda mais magníficas contudo o nevoeiro subiu ao cume da ilha e todo o verde se apagou.
O nevoeiro envolve tudo. Quase que anula toda a realidade. Foi este nevoeiro que com certeza escondeu aos marinheiros estas terras. E é também este nevoeiro que traz à boca do povo histórias fantasmagóricas.
E dali, quase como por magia, sem que houvesse acidente subi à vista do canário. O verde-alface do musgo encaminha-me no pequeno trilho lamacento que conduz à lagoa. O nevoeiro cerrado, fofo e húmido, segue a uma velocidade certa e em direcção ao mar. Relembro as palavras da Maria que dizia que o nevoeiro estragava numa fração de segundos os momentos fotográficos. Espero. Aguardo impacientemente. Desespero. E quase em passo de saída, o nevoeiro desceu ao mar e a magia refez aquele quadro pitoresco da mais bela paisagem de São Miguel: as lagoas das Setes Cidades com a lagoa do Canário à sua esquerda. “Que terra mai linda” como costumava exclamar Maria. Houvesse ali um banco de jardim e ficaria ali horas a fio com um livro nas mãos. Entre o verde esmeralda da lagoa do canário e o verde lágrima da lagoa da princesa das Sete Cidades.
De repente, um grito ecoa na paisagem, percorrendo o topo da montanha. Interpela-me aquele eco. Ponho-me no seu percalço e levo comigo a Rute, minha companheira de viagem para as minhas aventuras. Um trilho linear de 12 quilómetros, de pouca dificuldade. Ela aceita com reticências e exclamações. Aceita com a minha insistência e inquietude. O início é marcado por um declive acentuado até ao Pico da Cruz e de seguida o deslumbramento constante ao longo do topo da lagoa com as vacas a mugir de contentamento do outro lado da encosta. Vacas felizes, penso. E a Rute sempre a pensativa “Se um dia fosse uma vaca gostaria uma de sê-lo aqui…”
Acompanham-nos ao longo do trilho duas velhas belgas que tal como nós se encontram encantadas com tanta magia. As dores nos músculos das pernas por momentos descansam assim que a pausa fotográfica nos obriga a parar. E são vários os momentos. O verde sempre em transformação, aqui o verde chama-se passarinho verde. Sim, porque ficámos com cara de quem viu um passarinho verde. Perdemo-las de vista, o nevoeiro sempre a fazer das suas. Descemos sempre em sobressalto com o nevoeiro em nosso percalço. Ao final de 12 quilómetros a Rute terminava a sua paciência e o cansaço tomava conta de nós. “Só mais um pouco e estamos lá” repetia constantemente sem que ela já acreditasse nas minhas palavras.
Assim que chegamos à aldeia das Sete Cidades ali estavam as belgas. O nevoeiro teria uma porta de chegada rápida? Ficámos na dúvida e verdes de inveja! Trocamos segredos e abraços e resolvemos partilhar táxi até aos nossos carros que tinham ficado no miradouro do Canário. Poucos minutos depois chegava um táxi, seria a nossa sorte… Ou não. O taxista gordinho e já meia idade, começa a despachar os fregueses com destreza. “ora bem são 9 passageiros, 5 chineses, duas belgas, 2 portuguesas!” Perfeito para todos, parecia-me. Neste impasse de perguntas e trajetos para todos, eis que a família chinesa (primeiros a chegar) quer um taxi particular e não partilha connosco espaço. Ficámos em terra, verdes de raiva. Ora, digo eu à Rute “É desta que vamos pela primeira vez na vida pedir boleia!” E assim foi. Os planos sairam furados e colocam-nos à boleia aguardando que um anjinho nos levasse de novo ao início da viagem. Já não teríamos energia nas células do corpo para subir ao Canário. Naquele momento ficamos verde de todos os feitios. Pés à estrada, mão à boleia e confiar que a sorte nos saia grande. Terá sido sorte ou não, o que é certo é que ao final de 5 minutos, a senhora Madalena a caminho de Ponte Delgada parou sorridentemente. Estes momentos são frequentes e os açorianos vão salvando os turistas destas alhadas dizia-nos.
E tudo termina bem, em tons de verde escuro no trajeto de volta ao carro. As estradas cheias de hortênsias e os pastos cheios de vacas. Tudo termina sem nevoeiro a pregar partidas e de alma cheia de memórias. Os dias são pintados de verde lima e as histórias de verde fantasma.
Sugestões
- Realizar o trilho Mata do Canário: trajeto linear de 12 km, dificuldade fácil, 3 horas de percurso. Levar algo para comer pelo caminho porque vai querer parar muitas vezes para fotografar;
- Realizar BTT. Se tiver energia e robustez, este é um desporto de eleição na ilha. Cuidado com as subidas, mas muito mais com as descidas. A paisagem vale o esforço.
- Realizar Paddle na lagoa das Sete Cidade. Marque com antecedência.Vale a pena experimentar a vista de baixo para cima. Serão duas horas com todas as estações do ano.
- Realizar Parapente. Marque com antecedência e espere que tenha sorte com as condições metereológicas.
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