Costa Rica é um país com muitos adjectivos: feliz, surpreendente e cara. Este último adjectivo levou-me a ponderar a minha passagem pela Costa Rica. Com meses de viagem planeei uma semana pelos principais pontos atractivos do país e seguia rapidamente para o Panamá. Ora bem, os planos saíram furados e por boas razões!
A fronteira da Costa Rica é plano de um cenário triste e decadente. Esta foi a imagem menos esperada. Um corredor longo, com cerca de um quilómetro, de um acampamento de refugiados. O pó assolava os plásticos negros que cobriam as tendas e os refugiados, todos negros, de olhos vermelhos e um rosto sem esperança sentavam-se a fazer fogueiras para cozinhar enquanto algumas crianças brincavam na terra. Em Santa Cruz, a primeira cidade após a fronteira, as filas nos bancos eram intermináveis e os polícias contavam-se às dezenas nas principais artérias da cidade e em postos de controlo na única estrada que dá acesso à fronteira. Nicarágua tinha fechado a fronteira a todos os negros, os refugiados que transitavam na América Central viam assim negado o seu sonho de chegar aos Estados Unidos. Em Santa Cruz, os seus habitantes não mostravam qualquer desprezo pela situação, o seu descontentamento era solidário por aquela gente que não tinha uma casa, um futuro e uma família.
Depois deste cenário, chegava a Playa del Coco para começar a viagem na Costa Rica. Por infortúnio ou não, Erick não me poderia alojar no meu primeiro dia. E assim, tive a felicidade de conhecer o Marco e a Anita num dos únicos hósteis da cidade. E digo felicidade, porque eles para além de falarem português e de serem pessoas amáveis, também me convidaram a viajar com eles nos próximos dias pela Costa Rica. E assim começou a minha aventura pela Costa Rica à boleia de Marco, num pequeno carro, um “bolinhas” como lhe chamava, pela região de Guanacaste e Peninsula Nicoya. Sentia-me afortunada naquele dia porque a melhor forma de explorar a Costa Rica é sem dúvida de carro, de preferência num jeep bem equipado para poder pernoitar nos lugares mais inóspitos.
Praia Matapalo
Seguíamos à descoberta de novas praias pela manhã. A poucos quilómetros de Playa del Coco, em caminhos de terra, entre a sempre verdejante Costa Rica chegaríamos a um longo arenal escondido pelas árvores, com um mar calmo e um sol alto. Era dia da mãe, os ticos (nome dado aos habitantes da Costa Rica) chegavam à praia para fazer piqueniques em família aproveitando para dar uns mergulhos no mar. E apesar da música latina alegrar o ticos, a quebra das ondas no arenal fazia com que não incomodasse os outros turistas. Anita e Marco deitavam-se ao sol com um livro na mão resgatando todos os raios de sol. Aqueles momentos de férias que qualquer europeu anseia para abrandar o ritmo e esquecer por momentos o trabalho.
Praia Samara e Carrillo
Depois de vários quilómetros entre estradas de rectas longas com campos verdejantes, com vacas a pastar e uma luz reluzente distinguindo todos os verdes, entrávamos numa estrada de curvas com árvores frondosas e altas, casas rústicas de madeira pintadas de cores amarelas e rosas. E, apesar de estarmos a chegar à praia as montanhas não deixavam alcançar no horizonte.
Chegávamos a Samara pelo final da tarde para assistir ao pôr-de-sol na praia. Samara é uma pequena vila pescatória, com um ambiente tropical, hippie e banhado de surfistas. Um lugar que é descrito como paraíso, onde os turistas podem correr o risco de não sair. Talvez nos tivesse acontecido esse feitiço se, naquela noite não tivessemos dormido mal numa rede do hostel (única cama disponível nos hósteis da vila) e eu não tivesse sido picada quase da cabeça aos pés pelos mosquitos.
Praia Nosara
Novamente pelas estradas da Costa Rica. Desta vez o trajeto seria mais aventureiro, percorríamos caminhos de terra entre pequenas povoações e com longos campos de gado. O mapa não explicava o estado da estrada e por isso depois de nos perdermos, nada melhor que seguir à moda antiga. Perguntávamos aos ticos indicações e esperávamos que fossem fiáveis. O “bolinhas” branco tornava-se castanho e aventurava-se a passar pequenos rios enlameados com um leito maior que o esperado, próprio da época das chuvas. Chegávamos novamente pelo final do dia a Nosara. Uma pequena região onde os aglomerados de casas se escondem entre as árvores, os caminhos são de terra e os surfistas andam descalços pelas principais avenidas para chegar à praia. Chegávamos a um dos prinicpais refúgios de surfistas. Pela manhã o longo arenal acinzentado, próprio das praias do Pacifico, preenchia-se de surfistas ou aspirantes a surfistas, todos de prancha debaixo dos braços alinhados até às primeiras ondas do mar. O mar desenhava umas ondas bem arrojadas do lado oeste e umas ondas quebradiças a leste. Havia ondas para todos os níveis de praticantes e a atmosfera era mágica. Pais e filhos a surfar, mulheres velhas de corpos delgados e queimados do sol a mostrar delicadas acrobacias e surfistas experientes com surpreendentes giratórias enquanto as namoradas se encontravam no areal a fotografar. Neste ambiente, não poderia deixar de continuar nas minhas tentativas de aprender a surfar. Persistência, empenhamento não me faltava. Faltava-me sim, o engenho, o equilibrio e a sabedoria de conseguir saltar para a prancha e equilibrar-me por alguns segundos. E parecia tão fácil quando via os surfistas a dar piruetas.
Parque Ricón del la Vieja
Depois das praias seguíamos para Liberia para pernoitar na cidade. Chegávamos à Posada del Tope e o dono olhava Marco e sem qualquer dúvida lhe dizia “És italiano?”, o nariz pontiagudo, os traços dos olhos, a cor da pele, o calção branco e a camisa florida com os três botões superiores desapertados não o deixavam enganar. E logo de seguida, lhe perguntava: “O que se passa em Itália? Todos os italianos que por aqui passam perguntam-me sempre por duas coisas: prostitutas e droga! O que passa em Itália?”. Marco não poderia deixar de rir com a situação e estava sem palavras para responder…
Seguíamos no dia seguinte para o Parque Nacional Ricón de la Vieja na imediações do vulcão Ricón. Todos os parques na Costa Rica cobram uma entrada de cerca de 16 euros, um valor um quanto exorbitante para o europeu que não está habituado a pagar para visitar as mais belas montanhas. E assistindo a uma diferença astronómica entre os valores de entrada entre locais e estrangeiros. Desde os Alpes franceses, às montanhas de Tirol em Itália até ao Parque Nacional do Gerês usufruimos da natureza de forma livre, consciente e isso é possível para todos, independentemente da nacionalidade. Começava a compreender a política ambiental da Costa Rica. Para além do forte investimento do estado em todos os parques, os turistas contribuem substancialmente para estado de conservação ambiental. E estes factos contribuem para que a Costa Rica mantenha a sua biodiversidade e que seja considerada um exemplo ambiental na América Central e no mundo.
No Parque Nacional Ricón de la Vieja percorremos trilhos com cerca de 10 quilómetros, entre fumarolas, poços de lama, árvores frondosas de troncos largos e entrelaçados. Observamos muitos macacos, iguanas e tantos outros animais. Nadamos na cascata e fizemos um piquenique debaixo de umas árvores.
Foram dias de deleite no mar do Pacífico que apelavam aos mergulhos e aos desportos de água. De aventura, percorrendo caminhos de terra inóspitos. De deslumbramento com a natureza quase intocável e poderosa. E isto só aconteceu por obra do acaso. A coincidência de conhecer as pessoas certas, no lugar e na hora certa. Foi o primeiro dia que mudou os planos e me levou a conhecer a Costa Rica fora do roteiro turístico de mochileira.
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