Diários-México

Deambulações mexicanas em San Cristobal de las Casas

Abril 23, 2016

No centro de San Cristobal e rodeada de montanhas, civilização maia, movimento zapatista e numa cronologia antiga sem horas. O mexicano é um ser estranho com uma mistura de vários saberes. A cidade entranha-me e prefiro dançar de pé do que viver de joelhos.

As fronteiras são linhas imaginárias que separam dois países. Uma linha ténue que avançou e recuou em mas que mantém uma das mais antigas civilizações.  A civilização maia poderia formar aqui um país aglomerando Chiapas (México), Guatemala, El Salvador e Honduras. Todas estas regiões continuam enquadradas na cultura maia e poderiam ser um país chamado Maia.

Depois da fronteira a estrada conduz entre montanhas altas, com muitas curvas e uma vegetação seca. A temperatura exacerbada à entrada do México começava a arrefecer assim que a alta montanha se aproximava anunciando a chegada a San Cristobal de las Casas. Estava a 2200 metros de altitude e o clima em San Cristobal seria diferente de todos os outros lugares no México.

Conhecia a cidade homónima de Antígua. Uma pequena cidade com arquitectura colonial. Casas baixas com fachadas coloridas, com janela emolduradas a cor branca como se tratasse de um retrato e uns candeeiros de rua negros à moda antiga. As ruas são alinhadas em quarteirões rectangulares e a calçada velha e gasta. Caminhava na cidade num mundo velho, uma Antígua de há 10 anos atrás. Um carocha vermelho, um amarelo, outro roxo. Velhos e com cores esbatidas pelo sol. Este é o quadro pitoresco da cidade.

E nestes dias vivo numa casa colonial arroseada com um jardim interior com árvores e flores onde as cadeiras e as redes aproveitam o sol que entra pelo corredor relvado da entrada. Este quadro fazia-me sentir em casa. E encontrava-se no Bairro Cerrillo, em pleno bairro feminista. Nas fachadas das casa poderia-se ler frases como Soy madre non serventia. Do Cerrillo ao centro histórico é um passeio.

Pela rua Diego Dugelay passando pela pequena loja de produtos naturais caseiros que disponibiliza massagens e terapias variadas, passando pela guesthouse com um quadro à entrada com aulas de yoga durante todo o dia e sessões com anjos pela manhã. Mais adiante, uma pequena loja de granola que uma pequena família produz em sua casa. Dobro a esquina e percorre a rua mais comercial, a Real da Guadalupe. Lojas de artesanato, lojas com tours organizados às ruínas maias e povoações indígenas, restaurantes mediterrâneos, japoneses e americanos e música ao vivo por toda a rua. Bernardo, é mexicano e viajou até San Cristobal para tocar nas ruas. Apanha todos os convites para tocar em restaurantes, bares e casas privadas. A sua vida é uma loucura, todos os dias com histórias mirabolantes e alguns tostões no bolso para viver. Vai vivendo e sorrindo com todas as experiências menos boas que lhe surgem nas ruas de San Cristobal. No final da rua da Guadalupe a praça abre-se e um enorme jardim se compõe. As pessoas vivem a praça em todas as horas do dia. Há mexicanos e turistas sentados nos bancos a refrescar à sombra, a comer gelados e doces e a ouvir música do coral que se encontra no centro da praça. Ao lado do parque encontra-se a praça da paz, adro da catedral, onde decorrem quase todos os dias manifestações com discursos ferverosos. A rua 20 de Novembro cruza o largo da catedral levando os turistas até ao mercado de artesanato. À volta do largo da igreja Santo Domingo o mercado é um grande aglomerado de tendas com lenços, camisas e camisolas, pedras, quadros e adereços. Um aglomerado de cores e artesões vindos de todas as povoações que rodeiam San Cristobal. Encontro ali de novo Marina a escolher algumas pedras numa banca de uma amiga. Leva-me até sua casa a duas quadras dali. Seu marido encontrava-se na sala de jantar preparando uma erva meticulosamente numa taça de madeira. Enrola o cigarro com todo o tempo e o diálogo não marca tempo: “Marina, não vejo gente a fumar na rua!” “Sim, os mexicanos não fumam na rua mas dentro de casa. A erva vem de plantações muito pequenas de amigos”, responde Marina. A sua amiga acrescenta “Em minha casa, eu, o meu marido e as minhas filhas, todos fumamos mas sempre em casa em convívio à volta da mesa”. Chiapas não é região de plantação de marijuana em massa mas há muita gente que tem plantações pequenas de erva e consume de uma forma responsável dentro de casa. Chiapas é também  conhecida por ser uma região de várias plantas medicinais, onde as povoaçõess indígenas ainda utilizam várias ervas para chás e tratamentos medicinais caseiros. E há muita gente que se dirige a esta região para procurar determinadas plantas, que não se encontram em outros lugares do México. Marina e Juan aproveitam a vida, com melhor do México nos meses de Inverno e os Pirineus espanhóis na estação de verão. Viver é uma arte e eles encontraram na vida o melhor do dois mundos.

ChocolateChocolate quente nos Xoco’lattes Los Carrerantes

Ao virar a esquina da casa de Marina encontro outra das grandes riquezas de Chiapas, o cacau. A tela enorme na entrada do Xoco’lates Los Carrerantes com a lista de benefícios do cacau chama-me à atenção. Entro pela curiosidade e Carlos alimenta-a com graus de cacau a 100%. Na região de Chiapas há diversas quintas com diferentes tipos de cacau. O cacau é seco, tostado, lavado, fermentado, um conjunto de processos até ao consumidor final. O cacau a 100% aqui é consumido em sementes, em pó preprando-se bebidas quentes e frias ou em barras. Conheço nestas terras o sabor original do cacau através de Carlos, uma degustação autêntica misturada com história. “Vou preparar o chocolate madre selva que foi o que mais gostaste, com leite ou água?”, “Água” respondo. Depois de me contar que deveríamos consumi-lo com água para manter as suas propriedades fui incapaz de escolher leite. A espuma escura atesta as minhas papilas gustativas e depois lentamente bebo cada trago para dar tempo ao cérebro para guardar esta memória. Todas as memórias de sabores de chocolate na europa fragmentaram-se.

De volta a casa em pleno entardecer, pela rua Exército Nacional adiante encontro a Sarah e a Juliana, as jovens brasileiras que partilho quarto. O português une-nos de uma forma ímpar. A simplicidade e a alegria é algo que vestimos de certo modo semelhante. Mudam-me de rota. Descemos a rua para jantar no Wakamole para, com elas saborearmos os melhores tacos de San Cristobal. Umas tortilhas de milho com camarão panado e abacate com um molho picante. Umas tortilha de milho negro com carne de porco. Em três tempos comemos. E em três tempos nos colocamos no café cultural na esquina da Guadalupe para assistir a um documentário zapatista com debate final com o realizador. A história contava a realidade de uma aldeia que tinha sido desalojada pelas forças policiais. Escaparam com vida e viviam num campo no meio da montanha com condições básicas. Desejavam apenas uma terra onde pudessem ter as suas casas dignamente e onde pudessem cultivar. Uma luta que levavam a vários órgãos federais e internacionais, sempre sem respostas positivas. Da plateia alguns mexicanos apontavam algumas orientações, ajudas pouco valiosas que haviam já sido tomadas pelo povo. A luta é difícil e o futuro é incerto. Não há desfecho à vista.

zapata

Fonte: quotesgram.com

Acabamos a noite na Revolution. Um bar com música ao vivo onde os mexicanos dançam salsa. Emiliano Zapata dizia que era melhor morrer de pé do que viver de joelhos. E talvez por isso, os mexicanos de chiapas terminam o dia em festa, para viver nem que a revolução esteja desacreditada, nem que o futuro não apresente promessas. Dançam com os pés em movimentos ritmados e sensuais para viver um dia mais.

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1 Comentário

  • Reply Chamula e Zinacatán para além da vista do turista – Lookingaround Abril 27, 2016 at 23:54

    […] volta de San Cristobal de Las Casas vivem povoações indígenas, tsotiles e tseltales. Existem 8 etnias e ainda há o movimento […]

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