Há encontros que inesperadamente nos colocam em momentos imprevistos, em visitas não programadas, dentro de uma experiência única. Assim foi, que Sandra que levou até Oventic.
Após uma noite longa do cansaço trazido da viagem acordo com Sandra. Mais uma das quatro jovens que estava alojada no meu quarto. Afinal, há muitas mulheres a viajar sozinhas e somos todas do mesmo grupo etário. Ela acorda meia ansiosa com toda a energia e excitação para visitar a aldeia de Oventic, a aldeia zapatista. Não há tours organizados e não deixam entrar todos os visitantes. À entrada pedem informações aos visitantes e a sua identificação. Tudo me parece nublado e com informações dúbias. No entanto, a curiosidade tirou-me da cama e levou-me com Sandra pelas montanhas de Chiapas.
O movimento zapatista está organizado em cinco caracóis. cada caracol é sede de uma Junta de Buen Gobierno e tem certo número de municipios, que por sua vez têm algumas comunidades. O movimento nasceu inspirado em Emiliano Zapata e tomou mais visibilidade em 1 de Janeiro de 1984 quando os guerrilheiros desceram as montanhas de Chiapas de capuzes preto e armas à cidade de San Cristobal de las Casas. Já basta! O acordo livre de comércio entre México, Estados Unidos e Canada não era desejado por estas montanhas. Todo o movimento assenta em pensamentos mínimos e que persiste nos dias de hoje de alguma forma:
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A defesa de direitos coletivos e individuais negados aos povos indígenas mexicanos.
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A construção de um novo modelo de nação que inclua a democracia, a liberdade e a justiça como princípios fundamentais de una nova forma de fazer política.
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A formação de uma rede de resistência e rebeliões no mundo todo em nome da humanidade e contra o neoliberalismo
Fonte Wikipedia
O que aconteceu? Como se vive hoje o movimento? Algumas questões a agitar a viagem. Desde de San Cristobal até Oventic num taxi colectivo com mais 6 pessoas locais. Dois na mala do carro e outros apertados nos bancos da frente. A viagem é longa mas ali naquela paragem, na aldeia de Oventic apenas eu e Sandra saímos do táxi colectivo. Era sábado e as nuvens estavam escuras. Para além disso, a aldeia gradeada tinha porteiros encapuzados de poucas falas. O clima arrefecia e só as palavras pintadas nas placas enferrujadas da entrada é que aqueciam o clima: Para todos todo, nada para nosotros. E a anunciação: Está usted en território zapatista en rebelia.
No portão da entrada , o jovem tem uma lista de perguntas desde o nome, profissão, o motivo da visita e a organização a que pertencemos. De seguida, aguardamos pela resposta dos chefes do caracol para poder visitar a aldeia. Por surpresa, a espera não foi longa e ao longo de uma hora o jovem encapuzado acompanhou-nos pela aldeia. Não é permitido tirar fotografias a pessoas, apenas aos edifícios. Os casebres de madeira são pintados com desenhos alusivos a todo o movimento zapatista. Caracóis, mulheres de armas em punho e de lenços a tapar a face, frases de rebeldia. Um conjunto de casebres ao longo da encosta, clínica médica, lojas de artesanato, escola, campos lavrados. Por ser sábado, o movimento nas ruas é pequeno, todos se encontram dentro das suas casas e as crianças encontram-se agrupadas no adro da escola. O jovem que nos acompanha não comenta nada e todas as perguntas têm respostas curtas: sim, não, não sei. Se queríamos ver respondidas algumas das nossas dúvidas, não seria ele que nos iria responder. O caracol estava fechado em si mesmo, apenas vive a sua vida dentro da sua ideologia, com sua independência, com a sua cultura. Já não importa sensibilizar as pessoas e o mundo sobre esta forma de vida. Talvez porque o próprio mundo nunca os iria entender…
Sandra saiu dali contente por conhecer a aldeia zapatista, movimento que tanto aprecia mas que pouco sabe explicar. E eu sai com todas as dúvidas. O taxi de volta deixa-nos em San Andres. Não há viagem directa de volta e aquela paragem fez-nos conhecer mais uma povoação. À volta do adro da igreja, homens e mulheres passeiam e aguardam a hora passar nos bancos do jardim. Mais adiante, um grupo de homens de alta responsabilidade da igreja encontram-se sentados à sombra. Eles usam trajes tradicionais de lã negra sobre uma camisa branca. À cintura um cinturão vermelho e uma bolsa de couro. E os chapéus de palha seguram um conjunto de fitas coloridas. Em família entram pela igreja para adorar acendendo velas junto aos altares. Os olhares curiosos sobre nós, era inevitável, as únicas turistas da aldeia. À entrada da igreja, Carlos aproxima-se de mim como quem quer conversa e eu aproveito para a curiosidade vasculhar. A conversa era ligeira, sobre trajes tradicionais e costumes da aldeia, até que o tom de voz muda quando lhe digo que estivemos em Oventic. Também ele tinha sido delegado do movimento até ao momento que a população desacreditou quando os líderes tomaram mais poder e a desigualdade surgiu dentro do caracol. Conta que terá sido por volta de 2009 e o movimento estava cheio de força, todos juntos, um bem global. Mas assim que que se perceberam que os bens não erão distribuídos pelos indígenas a história mudou de rumo. Não percebo se na mesma altura ou pouco depois o governo começou a ajudar mais aldeias e tudo em conjunto mudou o rumo da história daquela aldeia.
Aquela história, a pequena comunidade fechada e as montanhas deixaram muito por contar. No México ainda se vive com novo e o velho mundo, com as populações indígenas e as novas gerações do capitalismo. Nestas montanhas há muito para descobrir e ainda só estou no primeiro dia.
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