Havana é um museu a céu aberto. De manhã até ao anoitecer, salseando em cada esquina, contornando praças de livros revolucionários e tropeçando em longas e interessantes histórias cubanas. Entrava numa cidade historicamente complexa, gritante e culturalmente fascinante.
Em plena Praça Jose Martí, aos pés do famoso hotel Parque Central, olhava os grandes hóteis de fachadas requintadas, imponentes, sólidos. Nas suas arcadas as esplanadas enchiam-se de gente, de música e de rum. No hall de entrada do hotel Inglaterra, a recepção era delicada, ampla, com estátuas e cadeirões dignos para alta realeza. Num velho elevador de madeira, com portas metálicas cruzadas chegava ao último andar enfeitiçada mais uma vez pela música. E ali estava, toda a Havana Velha, ao alcance de um olhar. O magnífico Capitólio, o maior marco do império americano. Aquela Cuba, de homens de jogo, mafiosos, actores consagrados de Holywood e glamour. Aquela Cuba de prazer, com música, prostitutas, charutos e bebidas. Aquela Cuba que viveu uma América glamorosa e uma ditadura nos anos 50 a cabo pelo sargento Batista. O rumo da história mudou, mas aquela época ainda vive nas ruas de Havana.
Na praça, o tráfego de carros antigos fazem parar os curiosos. Todos alinhados na Praça José Martí, os condutores fazem sala na praça, alguns de fato branco e chapéu de palha faziam-me lembrar os “gringos”. Uma montra de carros a brilhar, sem riscos nem amolgadelas. Todos descapotáveis para levar os turistas a passear pela ilha do prazer.
A dois passos, seguia entre olhares e comentários até à Floridita, na pequena Praça Manzana de Gómez. Imortalizada pelos daquiris de Ernest Hemingway, emborrachada de turistas. Um balcão de madeira antigo, empregados vestidos de preto e branco perfilam pelo bar de bandeja na mão sem deixar cair um só gole. A rua Obispo nasce ali perto, conhecida pelas suas lojas e cafés, levava-me até ao hotel, onde novamente, Ernest Hemingway fazia história. No hotel Ambos Mundos em pleno centro de Havana, entrava pelo seu quarto para encontrar alguns excertos dos seus famosos livros. Adiante, a dois quarteirões da rua Obispo, a Bodeguita del Medio, famosa pelos seus mojitos, descobria como Hemingway alimentava a sua criatividade. Um restaurante/bar numa rua apertada, de paredes azuis com quadros antigos e fotografias que urdiam histórias de um passado longínquo. Por ali também passaram Allende, Fidel e muitos outros anónimos que encheram as paredes com seus escritos.
A literatura viaja nas ruas e levava-me desta vez à Praça de Armas. Uma ampla praça quadrada, com bancas de livros em segunda mão. Antigos, de capas rasuradas, folhas secas e acastanhadas. Che estava ali mais vivo que nunca, entre postais, pósters, fotografias e livros. Máquinas fotográficas, armas falsas, moedas, crachás e bandeiras. Um leque de antiguidades sobre as árvores sombrias, onde os cubanos permanecem no passado.
Ainda na velha Havana, a escrita ficou enraizada pelas mãos do político, escritor, professor, jornalista e diplomata José Martí. O seu nome aparece em ruas, praças e até mesmo no aeroporto. E é ali no centro de Havana que a sua casa colonial em tons de amarelo e azul regista a sua vida familiar e criativa. Ainda nos dias de hoje, é um centro cultural com espaço para fazer nascer novos escritores.
O calor faz transpirar toda a intensidade da cidade. Caminha-se na cidade parando em cada rasgo de sombra que se alienia nas ruas e nas praças. Na praça da catedral as arcadas desenhavam sombras e é ali que por momentos sustentava o cansaço do calor. Apreciava o momento, olhando o estilo barroco da fachada da catedral e a elegante Casa Bayona de fachadas simétricas e de uma primitiva simplicidade traduzindo uma época cubana colonial. Um jovem artista estava sentado na esquina da rua pintando carros com lápis de coloridos. À entrada da catedral alguns pedintes vendiam velas e pediam dinheiro. No terceiro vértice da praça, mulheres de vestidos amarelos, sentadas detrás de uma pequena mesa com cartas astrológicas, exibiam um sorriso largo esperando turistas curiosos em busca de um futuro. No quarto enquadramento da praça, um grupo de velhos tocaram o Chan Chan com batuques, violões e matracas.
Sem Comentários