Frente ao mar que me distancia de casa e depois de ler as notícias do mundo ficava inquieta. Remexia-me na cadeira. E a inquietação colocava-me a escrever. Na inquietação, o mundo. O mundo caótico, imperceptível e atroz. Sai de uma Europa multicultural e à distância de poucos meses assisto a tantas mudanças. Viajar é uma odisseia pela tolerância, respeito e diversidade. Submergindo em diferentes culturas consolido os princípios mais básicos da humidade. Sinto no corpo a transformação da pele, de portuguesa mudaria o meu passaporte para cidadã do mundo.
O mundo através da televisão
Hoje assisto a uma Europa fragmentada. Povos vindos de África, Médio Oriente e de tantos outros pontos do globo, têm transformado o modelo de pensamento e económico da Europa e, além disso, têm transformado os valores sociais dos europeus. O que está acontecer à fortaleza europeia multicultural? A classe política está dividida. A diplomacia está perdida. Os europeus deixam de ser solidários com as tragédias que entram pela televisão. Muitos dos imigrantes querem viver a sua cultura nos países dos outros. Os povos são catastroficamente diferentes e já não conseguem viver em respeito e tolerância. O racismo e a xenofobia crescem dia a dia. A imigração tornou-se um negócio de lucros exorbitantes e de condições desumanas. A Europa está caótica e ninguém se entende. Pior, não se assombra mudanças futuras positivas.
E deste lado do mundo, o estado actual da imigração não é diferente. Aqui o negócio é velho, que todos a encaram com normalidade. Desde do Panamá até aos Estados Unidos os fluxos migratórios são assustadores. Também barcos de refugiados assolam com mortos à costa de alguns países. Também há campos de refugiados nas zonas fronteiriças. Ser pobre é um impulso para uma imigração sonhadora. Sonhos que muitas vezes são transformados em pesadelos. A imigração ilegal é aceite mas tem estratos sociais. Há vários imigrantes de países desenvolvidos que atravessam cada 3 meses as fronteiras em modo de férias para renovarem os seus vistos.
O mundo dos imigrantes
Em viagem vejo muitos imigrantes a viverem em áreas ricas distantes das populações locais. O contacto é ínfimo e o esforço não é notório. São poucas as pessoas que se misturam com o povo, que assumem os seus hábitos e que respeitam a sua forma de viver. Assisto a um negócio de uma colonização moderna. Redes de hotéis, pequenos restaurantes e outros negócios nas mãos de estrangeiros com uma mão de obra local barata para tarefas básicas. Algumas vezes sem contribuições para um estado social do país, vivendo numa imigração ilegal ou querendo usufruir de lucros dos seus países originários. Uma desigualdade notória.
Os estrangeiros misturam-se com estrangeiros. Comunidades de expats juntam-se para conviver à volta da mesa e neste círculos poucos locais conseguem entrar. Porque os modelos de vida e de conhecimento são tão distantes que os mantêm distantes dos círculos de convívio. Passa-se aqui na América Central, onde conheço italianos que vivem desde pequenos num modelo italiano. Passa-se na Europa, em comunidades portuguesas a viverem há longa data em Paris à moda portuguesa.
O mundo dos viajantes
Em Roma sê romano. Marco, italiano de Ferrara contava nestes dias a história de uma vizinha amiga do Paquistão, a viver em Ferrara. A viver há mais de 15 anos em Itália casou-se com o noivo prometido há dois anos no Paquistão. A viver em Itália, vestia-se de acordo com a sua cultura e vivia com as normas da sua cultura. Marco foi testemunha do seu casamento no Paquistão. À chegada ao aeroporto teve de vestir o traje tradicional do Paquistão e adaptar a sua mentalidade aos seus costumes.
E daqui, lembro-me também que quando viajei pela primeira para África em voluntariado. Queríamos assumir um modo de vida simples em semelhança ao povo angolano. E nisto fomos mais humildes que as próprias angolanas com quem partilhávamos casa em Luanda. Dormimos num espaço confinado sobre colchonetes e sacos de cama durante 2 meses. Deixamos de ver televisão e de ter telemóvel.
O mundo à minha volta
A viagem coloca-me um turbilhão de perguntas pertinentes. As histórias de viajantes, as vivências com os locais e o contacto com os imigrantes, ajudam assentar ideias. Viajar é uma ponte para a definição do ser humano, o viajante torna-se um cidadão do mundo com ideias globais. O viajante abre a mente e diria que também o coração. E nisto relembro, mais uma vez, a velha sabedoria popular que não entendemos bem até que a vivenciamos: À terra aonde fores ter faz como vires fazer.
Na viagem, esforço-me para conhecer pessoas locais, vou a bares, restaurantes e festas onde apenas gente da terra. Tento alojar-me em casas familiares para conhecer melhor os modelos familiares. Tento encontrar jovens através de algumas redes sociais. Misturo-me e tento viver como eles. Coloco-me muitas vezes do outro lado do diálogo, tento olhar para as suas raízes e muitas vezes encontro semelhanças com passados antigos do meu país. A experiência é um espaço de aprendizagem à tolerância. Sem espaço para críticas ou comparações desiguais. Simplesmente absorvendo.
Em todos os países há coisas boas e más, independente do papel que se assume (turista, viajante ou imigrante) sejamos mais humanos. Respeitando a casa dos outros porque de igual forma queremos que respeitem a nossa casa. Vivendo em igualdade, tolerante a diferentes culturas. Tão simples!
A todos, sem excepção, viajem pelo menos uma vez na vida sozinhos. Sejam curiosos e encontrem repostas pelo caminho. Sintam na pele viver numa cultura diferente. De volta a casa, tudo terá outro sentido…
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