Diários - Perú, Perú

No Vale Sagrado a descobrir as salinas de Maras

Fevereiro 17, 2017

Na primeira viagem pelo Vale Sagrado o sol espreitava entre as nuvens e as surpresas aconteciam inesperadamente. Do centro de Cusco até Maras viajava entre peruanos até à encruzilhada. Levava comigo as dicas do Miguel e de certeza que não me perderia.

Depois da encruzilhada caminhava pelo vale para fotografar e deslumbrar-me com a natureza. As montanhas altas e verdes, o céu azul mas carregado de nuvens brancas, o caminho de terra desenhado em curvas e o silêncio sussurrado pelo vento. Caminhava sozinha aspirando toda a grandeza daquele lugar. Até que, fui interrompida por Joel, um jovem a conduzir uma mota:

-Vais para as salineras de Maras?

-Sim, vou.

-Se quiseres posso te levar até lá… Estou a acompanhar Roff num passeio turístico.

Hesitante por estar a usufruir daquela solidão reconfortante mas dois segundos seriam suficientes para mudar o curso do passeio e saltar para a mota de Joel. De mota a sentir o vento nos cabelos chegaria às salinas mais rápido e com mais dois novos amigos. Um jovem peruano a iniciar a sua experiência profissional como guia turístico em moto e um alemão reformado a viajar pela América do Sul sozinho.

A caminho das salinas de Maras

O espectáculo começaria ali. As salinas de Maras situadas nos socalcos da montanha de  Qaqawiñay, a uma altitude de 3380 metros, eram estruturas quase geométricas de sal onde a água descia até ao rio. Um complexo com mais de 3000 aglomerados como pequenas poças sobre um solo hipersalino.

Continuava a minha caminhada, novamente sozinha. A descer entre as salinas, fotografando o imenso vale geométrico. Duas mulheres chamavam-me à atenção! De pele escura, de mãos cheias de sal alinhavam os grãos e extraíam lentamente em cestos de palha o sal das poças. Aproximava-me. E nisto, elas sentavam-se no chão para a pausa do almoço. Parava por momentos para fotografar o sal, os cestos e os reflexos da suas vidas. E nisto, Angélica me dirigia a palavra:

-Queres almoçar connosco?

Aquele convite era tentador e por isso sem hesitação e de sorriso nos lábios, respondia:

-Claro que sim! Tenho algo para partilhar convosco.

E assim começava o convívio com as mulheres de sal. A marmita de atum com batata cozida e cebola partilhada entre as três. Partilhava um pequeno saco de milho, amendoim e outras sementes salgadas que tinha comprado momentos antes na loja das salinas.

Mãos de sal de Angelica

Estas eram as mulheres das salinas. As salinas de Maras eram trabalhadas desde a época Pré-Inca (antes de 1430AC) até aos dias de hoje pelas comunidades locais. Um trabalho duro e intenso durante a época seca que envolve milhares de pessoas. Angelica conhecera as salinas pelas mãos de sua mãe, ainda era bem pequenina. Aos 14 anos, começara a trabalhar dando assim continuidade ao trabalho da sua mãe. Esta era a única oportunidade de Maras. Um trabalho de gerações e tradições. As suas mãos eram de sal.

Num mundo que se abre à globalização, que a modernização dos processos industriais é uma exigência, muitas salinas ficarão comprometidas. O trabalho aqui desenvolvido pelas comunidades locais é duro mas a qualidade do sal é extraordinária. Este é o sustento destas famílias. E será que terá os seus dias contados? Aquela angustia preenchia-me. O olhar sereno e a resiliência destas mulheres era extraordinária. A vida era simples e a simplicidade era o esboço da sua tranquilidade.

Festa familiar peruana

Despedia-me das salinas de Maras com as imagens dos seus sorrisos gravados na memória. A viagem continuava e as estórias chegavam inesperadamente. Sozinha pela montanha e a chuva repentina a molhar o corpo. Antes de regressar a Cusco ainda teria a oportunidade de conhecer uma viajante que me acompanhou na caminhada. E o prazer de participar numa festa de aniversário com uma família peruana no vale montanhoso. Viajar sozinha tem este efeito de atrair momentos inesperados e surpreendentes.

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