O sol abria o dia pelas 6h30m. Estava frio e a altitude do Lago Titicaca não deixava o corpo aquecer pela manhã. Seriam ainda 8horas e já me alinhava entre tantos outros turistas para a Ilha do Sol. Depois de 40 minutos desembarcava na primeira paragem juntamente com dois mochileiros que desapareceram em segundos por um dos caminhos de pedra. Estava sozinha e uma escadaria em pedra até ao pico da ilha recordava-me a louca que sou por carregar uma mochila de 15quilos.
Às 9horas da manhã, o sol que não aquecia de repente era sufocante. Caminhar uma escadaria longa, com uma mochila de 15 quilos e a uma altitude acima dos 3000 metros, era para loucos. Sim, estava louca quando planeei trazer malas e bagagens para a ilha do sol. Estava em época baixa e apesar do sol estar radiante, a ilha estava deserta. Subia sozinha. Parei mais de 10 vezes pelo caminho. Os burros de carga passavam lentamente a bufar. Quando cheguei à pousada da juventude, não pensei duas vezes em ficar por ali. E novamente, estava sozinha. Uma senhora velha, de tranças até aos joelhos, de saia rodada e numa simplicidade genuína, recebia-me de uma forma singela.
Naquela pousada com vista sobre o lago, a solidão era reconfortante. O sol irradiava desde a base até ao pico, sem deixar sombras. Depois daquela caminhada fatigante rendia-me à preguiça. Sentada no alpendre sobre umas cadeiras de madeira, o tempo convidava a ler, escrever e meditar sobre a viagem. Há momentos melhores que este?
Quando sol já fazia a ciesta era então hora de caminhar pela ilha. Entre as montanhas da ilha havia caminhos de pedra com muros de pedra e casas de pedra. No sul, os pastores circulavam no seu tempo e os cães guiavam as ovelhas. O tempo era lento e o vento era o único ruído a subir os montes. No templo do sol, o cenário era o mesmo. As pedras castanhas muralhavam o espaço e o templo era um aglomerado desordenado de pedras, junto ao lago. O silêncio era dono e senhor daquele espaço.
Com o sol a descer a montanha rumava ao pico da ilha na companhia dos pastores. Os cascos soavam nas pedra ecoando um leve som que o vento levava para outros cantos. Já no pico da ilha, começava avistar pessoas. A vida da ilha estava ali, a 4000metros de altitude. Uma linha de alojamentos e restaurantes com vista para o Peru. Nas esplanadas os turistas iam chegando lentamente para assistir ao descanso do sol enquanto saboreavam um pouco da comida tradicional. O jantar começava cedo e logo a seguir terminava a noite. A vida era serena. A vida na ilha resumia-se a estes momentos. Caminhar, apreciar a paisagem e apurar a gastronomia boliviana. Há momentos melhores que estes?
No dia seguinte, acordava, tomava o pequeno-almoço e punha pés a caminho. Sempre com sol, ora não estivesse na sua ilha! Uma caminhada de sul a norte e de norte a sul. A paisagem mantinha igual. Árida, de arbustos secos e terra amarela. O lago Titicaca à esquerda, à direita, à frente e atrás. Por todo o lado. O silêncio omnipresente. O vento a rugir nos arbustos. Encontrava os primeiros bolivianos no ponto de controle para iniciar a caminhada. Dois homens velhos a tocar flauta para passar o tempo. O som entoava num círculo pequeno. Mais adiante, cruzava-me com alguns turistas, que se dirigiam para lado oposto. Um “olá” tímido e poucos minutos depois desapareciam no vácuo da ilha.
Depois de visitar a Rocha Sagrada, de contornar a praia em Cha’lla pampa retornava ao sul, agora junto às águas do lago. Pelo caminho, um professor acompanhou-me no seu retorno a casa. Depois de um dia de trabalho voltava-se ao seu lar, a meia hora de distância, por entre caminhos de terra, isolados da populações. Não havia receio, dizia ele. Estava só. Nesta ilha deserta a sua família não tinha oportunidades. As suas filhas não tinham universidade. Estava só porque a vida exigia. E se não fosse o seu amor pela ilha, onde nasceu e cresceu, talvez já teria partido. Depois de um breve adeus, também ele desaparecia no caminho num quarto de segundo.
Voltava ao sul da ilha. Ao silêncio, à quietude das horas, ao pôr-do-sol sublime. Já no pico sul, entrei por entre um pequeno caminho de terra, atravessando um monte de pinheiros, para finalmente chegar ao afamado restaurante Velas. Assistia novamente, sempre com espanto, ao descanso do sol numa simples mesa feita de troncos de madeira. Sozinha, por dois minutos. Uma família de belgas, dois jovens viajantes e uma mãe, seriam a minha companhia para o resto da noite. Voltando atrás na narrativa. Estava assistir ao pôr-de-sol, e nisto o cozinheiro e dono do restaurante trazia o burro de volta a casa e preparava-se para abrir as portas do restaurante. Abria às 7horas. Numa casa simples, a 4010 metros de altitude, completamente isolada de tudo. Iluminada por velas, a atmosfera era criada com com um pequeno rádio a pilhas e o ambiente aquecido com os fornos de lenha. Ali, a pressa, a ansiedade e o relógio ficavam fora de portas. O tempo era outro. A comida era servida quando pronta, nem que fosse passado duas horas. Mas há algum momento melhor que este?
A ilha do sol vivia sem relógio. E depois? Há melhor momento que este?
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