Depois da grande viagem pelo Sul da Bolívia regressava a Uyuni para seguir em viagem para Sucre. De novo, a opção seria o autocarro nocturno. A estação de camionagem era pequena, suja e sendo noite era também um lugar para poucas amizades. Entrei no autocarro velho, com assentos estofados a pó e o vidro coberto de terra seca. O autocarro estava cheio, maioritariamente bolivianos. O cheiro não era muito agradável mas o meu olfacto também não é dos melhores, o que ajudou a suportar bem a viagem.
O autocarro partiu a horas pontuais. No entanto, seriam cerca das duas da manhã, quando de repente parou num lugar perdido na noite. O motorista anunciou: “A estrada está bloqueada!”. Ainda ensonada, o pensamento não acompanhava a situação. De repente, pensava: “É agora que vamos ser assaltados!”. Os bolivianos estavam com rostos tranquilos. Um dos poucos turistas, das primeiras filas, estava amedrontado e entrava em pânico. A noite avançava e a estrada estava bloqueada com pedras grandes. Do alto do monte, ouvia-se algumas vozes. “O que está acontecer?” perguntava ao jovem boliviano que estava sentado ao meu lado. Ele tranquilamente apaziguava os meus sentidos: “São campesinos a protestar!”.
As histórias de manifestações e bloqueios nas estradas da Bolívia não são recentes, na verdade, já são de longa data. Aliás, recordava-me uma das crónicas do Filipe quando ele fazia a sua volta ao mundo em 2004. Nos últimos dias, não tinha tido notícias sobre este assunto, estive longe da civilização a viajar pelo maior deserto de sal do mundo. Quando cheguei à estação também ninguém estava preocupado e não havia alertas para os turistas. Tudo parecia decorrer na normalidade.
Era noite escura, estava no primeiro autocarro a ser bloqueado e a fila de carros prolongava-se por quilómetros. Os bolivianos sairam à estrada para dialogar com os campesinos. Ao final de meia hora, o pânico do turista inglês aumentava, o ânimo do turista espanhol vibrava juntamente com os locais e a turista alemã que viajava sozinha controlava os seus receios. Um ambiente estranho, duvidoso, que não sabia o que esperar. Estava na Bolívia e não sabia qual seria a reacção dos bolivianos perante esta situação. Tudo poderia complicar ou tudo se poderia resolver. Estava calma perante a sensatez daqueles bolivianos que viajavam connosco. Passado duas horas de diálogo, os campesinos renderam-se às palavras dos seus compatriotas. Todos sairam à estrada para retirar as rochas ao longo de mais de um quilómetro. Contudo, no último metro de rochas a tensão mantinha-se. Mulheres velhas, no cume da montanha atiravam rochas aos carros que tentavam passar. E nem uma ambulância com sinais sonoros teria prioridade. Por impulso saía para a estrada, tirei pedras do caminho, misturei-me entre os bolivianos. Era impossível fica pávida e serena perante a injustiça na rua.
O cenário parecia um pesadelo mas finalmente as tréguas aconteceram e conseguimos seguir viagem para Sucre. As luzes do autocarro mantiveram-se acessas durante o resto da viagem e poucos conseguiram adormecer. Chegámos pela sete manhã a Sucre. O que teria Sucre para me oferecer depois desta noite atribulada?
Cheguei a Sucre com o sol mas a cidade dormia profundamente. De mochila a vaguear pela cidade todos os caminhos iam dar ao mercado central. Os bolivianos madrugavam e antes de seguir para o trabalho passam no mercado para beber uma bebida medicinal quente ou um batido de frutas fresco. Nada melhor para começar o dia! A banca de fruta era alta e a senhora quase escondida detrás do balcão chamava as pessoas que iam passando no corredor… Parei sem hesitar na primeira banca que me chamou! Um sumo de maracujá com manga. Meio litro de sumo a um preço simbólico abaixo de 1 euro! Nem queria acreditar! O mercado de Sucre seria um dos meus locais prediletos nos próximos dias!
Sucre é a capital oficial da Bolívia, apesar de La Paz ser mais conhecida internacionalmente e os poderes executivos e legislativos estarem aí concentrados. Sucre tem vários adjectivos, cidade da prata, cidade branca, títulos estes advindos de toda a herança espanhola que se pode encontrar pelas ruas da cidade. Palacetes brancos em redor do jardim central, igrejas e arcadas a delimitar a cidade. Considerada Património Mundial da UNESCO em 1991, é uma das cidades mais graciosas da Bolivia.
A Casa da Liberdade, antiga universidade jesuíta, em plena praça 25 de Mayo é um marcos mais importantes da cidade. Para além da beleza exterior do edifício colonial, a entrada esplendorosa dá acesso ao salão nobre onde foi proclamada a República da Bolivia em 6 de Agosto de 1825.
Deambular pela cidade é uma autêntica viagem pelas influências culturais espanholas e indígenas. As mulheres vestindo as cholas e de tranças longas até aos joelhos vendem legumes às portas do mercado. Os museus e as universidades manifestam o legado cultural dos jesuítas. No alto do miradouro da Recoleta, a vista é simples, organizada e limpa. E quando lembro La Paz, parece que estou noutro país. E talvez por isto, esta é uma das razões pelo qual muitos dos viajantes ficam aqui retidos por vários meses!
No centro da cidade há restaurantes deliciosos, há museus, eventos culturais criativos desenvolvidos pelas gerações mais jovens e um mercado, onde se pode encontrar tudo por preços reduzidos. É fácil viver em Sucre!
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