A estrada da morte é digna do seu nome. Digna de colocar algum receio aos mais destemidos viajantes. E ainda mais digna de merecer uma visita! A aventura de bicicleta por uma das estradas mais perigosas do mundo prometia ser uma das experiências mais loucas e destemidas da viagem na Bolivia.
Estava a caminho de La Paz. A cidade mais populosa da Bolivia encontrava-se num longo vale rodeado de montanhas e favelas. A aproximação à cidade era aterradora. Os telhados de lata sobre casas de tijolo pareciam um manto castanho, denso e pobre. Do alto da montanha a cidade parecia um labirinto de lata, onde no centro a área turística parecia uma agulha afunilada de prédios altos vidrados.
Chegava a La Paz com o objectivo definido. Chegar e viajar para as montanhas para me aventurar numa das mais perigosas estradas do mundo, a estrada da morte. As cidades latinas absorviam um misto do mundo ocidental, a insegurança dos subúrbios e uma poluição que me deixava desnorteada. Precisaria de dias para entranhar na cidade. E mesmo assim, não sabia se ela me absorveria a ponto de me deixar encantar.
Depois de algumas horas no centro da cidade, onde o reflexo ocidental era evidente, onde os rostos fechados dos bolivianos não me deixavam aproximar e onde uma velhota num dos autocarros colectivos me alertar para os perigos, deixava a cidade após uma noite de sono.
A aventura começava. Depois de refletir várias vezes, de ouvir vários viajantes e amigos e de colocar de parte todos os pensamentos sobre a segurança, não hesitava em aventurar-me nesta louca aventura de bicicleta na estrada da morte! Estava pronta para a minha primeira experiência downhill! E por isso omitia este capítulo da viagem à minha mãe.
A 4700 metros, sobre as nuvens de La Cumbre, este era o inicio da aventura. Entre viajantes destemidos e com os guias da agência cujo nome era NOFEAR, os arrepios frios e as borboletas na barriga desapareceriam em segundos.
A paisagem era sublime sobre o vale montanhoso. Estávamos algures entre a cordilheira andina e a Amazónia. A primeira parte da descida seria numa estrada asfaltada mas o desnível era acentuado. Descíamos até aos 3200 metros num ápice. As curvas cortavam as montanhas, as nuvens brancas adelgavam-se no céu azul e o vento a cortava no casaco. Depois de 21 quilómetros chegávamos a Cruce Chuspipata.
A estrada da morte estava diante dos nossos olhos. Todos alinhados em fila indiana com os pés nos pedais, de adrenalina na corrente sanguínea e mãos nos travões para os possíveis perigos. “Vamos a ela!” diziam os mais corajosos. A estrada da morte era um caminho de terra com pedras soltas, com curvas estreitas e fechadas, com quedas de água a cair sobre o caminho e desfiladeiros íngremes sem qualquer proteção. As centenas de cruzeiros ao longo do caminho não assustavam os destemidos. Nem as histórias que os guias iam contando em cada paragem de descanso. Os acidentes mortais eram frequentes. Uma pequena queda no desfiladeiro era fatal. A chegada das equipas de emergência tardariam e as manobras de socorro poderiam levar horas. Não era necessário ser um grande acidente, o mais preocupante ali, é que estávamos distantes da assistência médica. E isso, faz toda a diferença para salvar vidas!
Por ano, morrem centenas de pessoas, cujos corpos nem sempre foram resgatados, ficavam perdidos naqueles precipícios longos onde a vista se desafogava.
A estrada fazia jus ao seu nome. Era certo que o perigo estava sempre ali, em toda a sua trajetória. A largura da estrada não excedia mais da largura de um veículo. As pedras soltas eram autênticas rasteiras aos mais distraídos. As curvas fechadas sem qualquer visibilidade não davam a oportunidade para grandes velocidades. Conduzir ali poderia tornar-se num cenário de terror.
No entanto, há quem fundamente o nome da estrada com o número elevado de mortes durante a sua construção. Construída em 1930 pelos prisioneiros paraguaios, durante a guerra de Chaco, trabalhariam arduamente horas e horas sem descanso. Não se sabe ao certo, a causa de morte, se terá sido os trabalhos forçados, a seca ou as doenças tropicais. O que é certo, é que o sofrimento assombra esta estrada e o tempo não apaga os memoriais ao longo do caminho.
A aventura apagava todas estas histórias da memória. A floresta tropical adensava-se, o som dos pássaros, as bananeiras e as plantações de coca anunciavam a chegada às terras baixas. A velocidade era atroz mas a excitação era mais forte que eu. Acelerava mais e mais com a dissipação do medo. Terminava em segundo lugar na classe feminina. À minha frente, apenas uma canadiana habituada a estas andanças. Finalizava o percurso com vontade de voltar novamente no dia seguinte. Loucura ou não, a experiência tornaria-se um dos momentos mais excitantes na minha viagem pela Bolivia.
Das montanhas altas e nevadas a mais de 4000 metros de altitude até à selva tropical aos pés da Amazónia a 1700 metros. Terminávamos o dia com um banho no rio sobre o sol quente e o ar abafado dos climas tropicais. A Bolivia era feita de contrastes, de perigos iminentes e lugares inóspitos. E isso cativava-me!
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