Ilhabela, sim, escreve-se junto, ou Ilha de São Sebastião. A cerca de três horas de São Paulo, no litoral norte, com cerca de trinta mil de habitantes, a IlhaBela é o destino de fim-de-semana, de férias ou para viver. Este é um daqueles lugares que facilmente me apaixonei e que poderia pregar uma bela rasteira ao meu destino.
Depois de uma viagem nocturna, acordava pela manhã com o som dos pássaros a chilrear no alpendre da casa de Norma. No primeiro segundo do despertar na ilha, senti na pele a sensação de estar em modo de fim-de-semana / férias. Viajar por tanto tempo não é bem a mesma coisa! Nem sempre ficava numa boa casa, numa cama fofa e uma sanita limpa e com autoclismo. Para além disso, também dava algumas rotinas aos meus dias como planear o caminho, escrever, viver uma experiência nova, ou então, preparar o novo futuro profissional. Estava na IlhaBela e com amigos, o sentimento era de estar de férias. Acordámos tarde, tomámos um longo pequeno-almoço com frutas tropicais, queijo, pão fresco e café. Depois, sem pressas, saímos para a praia.
A atmosfera era digna de cinema. No Jeep descapotável com os cabelos ao vento. Bossa nova a tocar no radio. Um vestido fresco no corpo. Uma estrada curvilínea entre o mar e a selva. Estava hipoteticamente dentro do filme Comer, Orar e Amar, no cenário de Bali e só me falta aparecer o Javier Bardem num momento acidental, pouco ou nada fatal, por obra do destino. Não aconteceu e por isso tenho de voltar à IlhaBela!
Estava em Dezembro, a manhã abria com sol e a tarde trazia a chuva quente. Descíamos um trilho de havaianas nos pés e uma toalha à cintura chegávamos à praia depois de atravessar uma mata cerrada. A praia de areal curto, o mar sem ondas. O Brasil sentia-se ali, neste ínfimo espaço entre a terra e o mar. Famílias, grupos de amigos e casais de namorados. Homens com um short justinho, mulheres com biquini em tanga. Corpos esbeltos e bronzeados. Alguns gordos formosos. As crianças a brincar no mar. Os barcos à vela num rasgo lento. As raquetes de ténis na primeira onda do mar pulava da direita para a esquerda. A música do café da praia fazia uma onda sonora. E apesar das nuvens cinzentas no céu, a praia estava cheia.
Sentávamos num recanto da praia com os pés na água. Estava seguramente em modo de fim-de-semana. Um mergulho no mar e um banho de sol. E nisto, sem planeamento, os amigos juntavam-se a pouco e pouco. Um, dois, três amigos. Um violão no braço e um mergulho no mar. Quatro, a amiga a vender picolés. Com sabor a caipirinha, a côco, ananás, maracujá. Geleira na areia e um mergulho no mar. Os amigos chegaram com o corpo molhado. A música abria o serão de final de tarde junto ao mar. Marcel improvisava um instrumento de percussão com areia e a Luísa pegava no violão para afinar as cordas. Um, dois, três… e Djavan entrava na roda. Chorava por dentro. As minhas velhas memórias de Djavan em África desembarcavam naquela praia do Brasil. A minha paixão eterna pela bossa nova materializavam-se ali nos grãos de areia da IlhaBela. Aquele momento era o reflexo da semelhança entre Portugal e o Brasil. Traços de uma cultura de convívio em círculo, ao qual os brasileiros juntaram-lhe a música e a dança. E que os portugueses esqueceram-se de levar na nau catrineta!
A chuva chegava sem aviso. Na mão esquerda a toalha e o chinelo, a mão direita sobre a cabeça. A fuga compassada. E dali, um pulo até à casa da mãe. Os pais de Marcel estavam a preparar um arroz de forno e um legumes estufados para os vegetarianos da casa, o Marcel e a Thaís. Os gatos abriram a porta com um salto para os mimos do Marcel. O pai espreitava ansioso com um sorriso de orelha a orelha. A mãe cantarolava de volta do forno.
Depois de um mousse de tapioca, a família Nascimento sentava-se na sala. Cada um com o seu instrumento, a cultura musical era um livro, cada nota abria uma nova música. Jorge Ben, o incontornável da música brasileira. Os meus pedidos de bossa nova. O Deus Caetano Veloso. Todos sentados na sala da IlhaBela. Chorava por dentro. A simplicidade do momento enchia-me de alegria. Mas a noite não acabava aqui.
Juntos fomos à praça rondar os preparativos do Carnaval. Naquela pequena aldeia, todos se juntavam a sambar. As mulheres de cor escura, com uma bumda bem redonda, os pés com ritmos e os decotes sedutores. Os homens de cor mestiça, altos e musculados, com pés de bailarino. Pequenos, graúdos, jovens, adultos e velhos. Todos na praça sem pudor do que vestem e dos que os outros possam pensar.
A segunda parte da noite seguia-se no centro de Barreiro. No mítico bar Estaleiro, o forró era rei no palco e todos sabiam dançar. Caipirinha na mão, alegria no corpo e noite quente. A festa seria por toda a noite. Os brasileiros definitivamente sabem fazer festa!
Após uma longa noite de festa, o dia começava já com o sol no pico mais alto. De volta à estrada, seguíamos pela floresta tropical. Cachoeira é programa de domingo! Seguimos até à cachoeira Veloso e subimos pelas rochas até ao ponto mais alto. O horizonte do mar por entre as árvores replandescia o azul celeste. Um mergulho na água gelada e um banho de sol. E connosco chegaram os mosquitos. Os borrachudos picavam afugentando até o mais resistente dos heróis. Aquele paraíso era deles e de mais ninguém! Em pouco mais de trinta minutos tinha o corpo picado. Era tempo de fugir a correr.
Na praia, o ritual mantinha-se. Música, chôpe, mergulho no mar. Até o sol descer à terra e o domingo nos empurrar de volta a São Paulo.
Sem Comentários