A tradição ainda é o que era. Relembro o Pátio das Cantigas e a sua célebre frase do Vasco Santana “Oh Evaristo tens cá disto?”. A imagem do comerciante de fato bem aprumado no Pátio das Cantigas ainda se encontra em algumas mercearias do Porto. E a verdade é que, o Bolhão tem disto, daquilo e até aquilo que já não imagina encontrar. Sou filha de comerciantes com muito gosto e mantenho o gosto e o ritual de percorrer o comércio tradicional. É sábado. É dia de compras. Os nossos produtos estão por ali. E eu sou fiel freguesa àquilo que é nosso.
Mercado do Bolhão
Entrada norte. A caminho da porta este sigo até à senhora Palmira. À medida que vou aproximando vejo já a fruta alinhada e a reluzir com a sol que entra pelas arcadas. O casal vai aprumando a banca para aliciar os olhos do freguês. Em todo o mercado, os comerciantes vão criando relações “Oh menina que vai ser hoje?” “Como tem passado? Bem a sua família?”. Em pouco tempo, dou-me conta que estes laços que aprecio mantêm-me fiel a este local. Hoje quando ali chego, já a senhora Palmira me fala da sua vida e lá me vai perguntando sobre a minha “Hoje não foi caminhar?” “Como está a sua mãe?”.
Desço a escadaria este e páro na peixaria Gracinha do Bolhão. “Oh menina anda desaparecida! Não tem comido peixe fresquinho!”, a peixeira a reconhecer o freguês regular e irregular. Ao lado da banca por vezes alimenta um gatinho com peixe fresquinho. De avental e galochas vai atendendo e chamando os clientes à banca. E enquanto arranja o peixe ensina-me as suas melhores receitas para o peixe acabadinho de comprar.
Confeitaria do Bolhão
À saída da porta sul o cheiro a pão fresco e o entra e sai de gente leva-me à Confeitaria do Bolhão. Esta casa abriu portas em 1896 e por ali a gente mais abastada da cidade tomava o pequeno-almoço antes da passagem pelo mercado. O traços antigos nas paredes decoradas mantêm a originalidade. As fornadas de pão fresco vão saindo várias vezes ao dia. O empregado traz a ombro a bandeja larga e comprimida vai colocando o pão fresco nas prateleiras espalhando-se o cheiro por todo o salão. Os portuenses dos dias de hoje, entram em jeito de correria e tomam o pequeno-almoço ao balcão. As empregadas servem o cimbalino e o molete com manteiga e freguês depois de duas de letra segue porta fora que a hora já aperta para o trabalho.
Pérola do Bolhão
À esquerda da porta sul do Mercado do Bolhão encontra-se a Pérola. A fachada desta loja com estilo art nouveau apela à entrada. Apesar de conhecida pelo comércio do café, vou ali para encontrar as famosas alheiras de Mirandela. É nestas casas míticas da baixa que os portuenses encontram os afamados enchidos vindo do Minho e Trás-dos-Montes. Chego-me ao balcão e reencontro uns doces que há vários anos já não saboreava. Saio de lá com bolinhos de amor vindos de uma confeitaria afamada em Penafiel e bolachas Paupério.
Favorita do Bolhão
À esquerda da porta norte do Bolhão também se encontra a Favorita. A montra com várias prateleiras expõe conservas, vinhos, frutos secos e amêndoas. Em tempo pascal ou em tempo comum, por vezes páro para comprar as amêndoas torradas de Moncorvo. Um docinho não faz mal a ninguém, já dizia a minha avó.
Pretinho do Japão
Mais adiante, na rua Bonjardim a última paragem. O Pretinho do Japão chama a entrar pelo cheiro do café que se sente na rua. O senhor Alberto já sabe como gosto do meu café da manhã. Prepara a mistura do café moçambicano com chicória, depois mói o café numa velha mas lindíssima máquina e o aroma espalha-se pela loja.
O Mercado do Bolhão e as pequenas mercearias nestes quarteirões circundantes sobrevivem ao longo do tempo, com as variações do tempo, do humor e das crises económicas. Sobrevivem no tempo pela qualidade e pela autenticidade dos nossos produtos. São produtos das nossas memórias. Estes produtos são a nossa alma portuguesa. Eu compro o que é nosso!
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